sábado, 5 outubro, 2024

Ho Chi Minh: o libertador vietnamita

Por Emiliano José, na revista Teoria e Debate:

Ho Chi Minh ocupou os sonhos de nossa juventude. A saga da luta de libertação do Vietnã, envolvendo a vitória por sobre forças consideradas imbatíveis, embalava nossas esperanças nas batalhas da América Latina, lado a lado com Sierra Maestra, Che e Fidel. Se as forças revolucionárias lideradas por Ho Chi Minh eram capazes de derrotar os japoneses, os franceses e seguir na luta contra os imperialistas norte-americanos, por que nós não poderíamos também fazer nossas revoluções e mudar tudo aqui pelo Sul do mundo? Morreu antes de assistir a vitória final contra os EUA, em 1975, quando Saigon caiu. Mas, foram suas ideias, sua notável liderança, seu inegável carisma, sua disposição revolucionária, sua inesgotável determinação os elementos fundamentais da vitória sobre as potências determinadas a dominar o Vietnã.

O livro organizado por Pedro de Oliveira se debruça sobre esse gigante. Não no estilo biográfico propriamente. É publicação de natureza essencialmente política. Envolve uma apresentação da trajetória do líder vietnamita e das circunstâncias históricas a emoldurar sua caminhada, feitas no prefácio por Renato Rabelo e depois pelo próprio autor. Na sequência, oferece ao leitor um painel expressivo de seus principais textos, possibilitando uma viagem por suas intervenções teóricas, todas elas voltadas à luta política, e naquele caso luta armada, pois os invasores nunca deixaram alternativas aos vietnamitas. É uma obra de consulta. Voltada à formação da militância, mas também a pesquisadores, a acadêmicos interessados na história de libertação do Vietnã, sempre um enigma a desafiar quem queira entender as lutas envolvidas no embate dos David contra Golias – aqui, não se trata de metáfora: David derrotou Golias.

É curioso acompanhar a evolução do pensamento de Ho Chi Minh – vai de Confúcio a Lênin, e aqui ele encontra porto seguro para não mais se afastar.

Uma vida empolgante.

Nasce em 1890 numa aldeia vietnamita da província de Nghê Na, filho de um professor rural. O nome verdadeiro era Nguyen Sinh Cung. Somente mais tarde será mundialmente conhecido como Ho Chi MInh – “aquele que ilumina”.

Nos meados do século 19, o colonialismo francês chega ao Vietnã, e as muitas tentativas de resistência foram infrutíferas. Ho Chi Minh, com 21 anos, a partir de 1911, formação básica completa, realiza um périplo pelo mundo, e depois por algum tempo, fixa-se em Paris, onde tem acesso ao pensamento progressista do mundo ocidental e à obra de Lênin, especialmente sobre a questão colonial, sua obsessiva preocupação.

Entre 1921 e 1930, Nguyen Ái Quoc, nome utilizado para se livrar da vigilância dos órgãos de segurança franceses, filia-se ao Partido Socialista Francês, e depois se torna um dos fundadores do Partido Comunista da França. A partir daí, participa de congressos e reuniões da Internacional Comunista. De 1931 a 1940, assume o nome Ho Chi Minh, e inicia esforços para colocar em prática suas ideias e pontos de vista no teatro da guerra de libertação no Vietnã.

Entre 1941, retorna à sua terra.

Lidera a luta pela independência e, em 1946, vê aprovada a primeira Constituição da República Democrática do Vietnã. Os franceses, no entanto, só seriam derrotados de modo definitivo, na batalha de Dien Bien Phu, famosa base militar francesa, iniciada no dia 7 de maio de 1954, e só concluída com a derrota dos invasores 55 dias após.

Em conferência realizada em Genebra, decide-se pela cessação de hostilidades no Vietnã, Laos e Camboja. O país seria temporariamente dividido em dois. Ao norte, administrado pelo governo da República Democrática do Vietnã. Ao sul, sob controle do governo submisso ao Exército dos EUA, disposto a substituir as forças colonialistas francesas na região.

Em 1954 mesmo, o presidente Eisenhower decide invadir o Vietnã. Foi uma devastação, repressão sangrenta – ao final de 1955, 466 mil pessoas foram presas, das quais 400 mil se tornaram presas políticas e 66 mil foram assassinadas.

Kennedy, ao assumir, passa a falar em “resposta flexível” para a guerra ou “guerra especial”, caracterizada pelo uso de conselheiros militares e armamento pesado. Combates, a cargo das tropas títeres sul vietnamitas. O novo presidente americano esperava acabar com a guerra em dezoito meses. Ilusão. Não sabia com quem estava lidando, o atoleiro em que entrara.

Entre 1963 e 1965, as forças vietnamitas lideradas por Ho Chi Minh conseguiram libertar 12 mil comunidades das 17 mil existentes no Sul. Iam caminhando para a libertação do país e sua reunificação. Lyndon Johnson, ao assumir depois do assassinato de Kennedy, dá continuidade à guerra, intensificando-a. Mais e mais atoleiro. Em 1967, acabara a “guerra especial”: havia meio milhão de soldados norte-americanos nos campos de batalha do Vietnã. Cresce nos EUA a indignação da opinião pública contra a guerra – eram muitos corpos de jovens americanos chegando ao país.

De janeiro a agosto de 1968, as tropas da Frente de Libertação Nacional do Vietnã desencadeiam a chamada Ofensiva do Tet, confrontando os exércitos norte-americano e sul-vietnamita. Atacados trinta campos de pouso de aviões americanos e centenas de cidades, a ofensiva teve um impacto poderoso nos EUA e em todo o mundo. O Império vai se isolando. Nixon eleito resolve, em 1969, vietnamizar a guerra – fortalecer o exército sul-vietnamita, com equipamentos e dinheiro. Como se adiantasse.

Seis anos após, Saigon caiu, terminou a guerra, e em 1976 o Vietnã se reunifica, numa das mais impressionantes vitórias militares da era contemporânea, quando um pequeno país derrota o mais poderoso império do mundo. Anos depois, em 1987, a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) promulga resolução tornando Ho Chi Minh “Herói libertador do povo vietnamita e um homem de cultura para a Paz”.

O líder vietnamita recolheu muitas influências vida afora. Bebeu nas fontes de Confúcio. Absorveu a importância da Declaração da Independência dos EUA, de 1776 – “todos os homens foram criados iguais e são dotados de certos direitos inalienáveis, dentre os quais o direito à vida, liberdade e o direito à felicidade”. Estudou as ideias de George Washington, Thomas Jefferson e Abraham Lincoln. Passa a admirar o desejo de liberdade e independência do povo americano. Foi sentindo, não obstante, os paradoxos dessas ideias quanto à liberdade e à igualdade. Milhões de trabalhadores não desfrutavam da tão proclamada igualdade de direitos e viviam na miséria. E havia a violenta discriminação contra os negros. Uma revolução burguesa incompleta, como ele considerava também a Revolução Francesa.

Ele não renega os ensinamentos positivos de Confúcio – a lição da ética pessoal. Nem despreza a benevolência advinda do cristianismo. Chega a dizer, ao falar de sua primeira fase de formação: Confúcio, Cristo e Marx buscavam a felicidade e o bem-estar da sociedade. Sofre a influência do nacionalismo chinês, por intermédio do pensamento de Sun Yat-sen. Sua Estrada de Damasco, no entanto, foi Lênin, a partir de suas posições claras sobre a questão colonial. No revolucionário russo, encontrou a síntese de uma visão ampla, a incluir não apenas as lutas da classe operária nos países desenvolvidos, mas também as dos povos oprimidos pelo colonialismo. E juntou o pensamento socialista e anticolonialista, e com ele seguiria até o fim, sem vacilar, liderando seu povo.

Disse logo no início: o livro vale pela apresentação de Ho Chi Minh e mais pelo volume de textos dele próprio, a serem descobertos pelo próprio leitor. São documentos preciosos, a revelar um intelectual comunista a serviço da revolução, integrado à cultura de seu povo, capaz de promover alianças amplas quando necessárias, atento à formação dos quadros e dos militantes, perspicaz na orientação militar, consciente de quando devia ir para a ofensiva e quando não, dirigente capaz de unir sempre tática e estratégia, liderança a carregar o povo no coração, no mais profundo de sua alma. Sem isso, sem amor e respeito ao povo, a vitória não seria possível.

Marx afirma: os homens fazem a história, mas a fazem sob determinadas circunstâncias. Homens como Ho Chi Minh tomam a história nas mãos. Compreendem e sob certos aspectos moldam as circunstâncias. Munem-se dos indispensáveis conhecimentos teóricos, e vão à luta política, se preciso, armada, como no caso do Vietnã. Foi um herói do seu tempo. Um gigante. Edificador da nação vietnamita libertada. Jamais será esquecido. Eterno.

* Emiliano José é jornalista e escritor, autor de Lamarca: O Capitão da Guerrilha com Oldack de Miranda; Carlos Marighella: O Inimigo Número Um da Ditadura Milita; Waldir Pires – Biografia (2 v.), entre outros.

Recalling Muhammad Ali's Vietnam War Resistance in the Age of Trump | The  New Yorker

Cassius Clay: “Não vou viajar 10 mil milhas para ajudar a assassinar e queimar outra nação

Há exatos 55 anos, no dia 28 de abril, Cassius Clay, o maior campeão de boxe de todos os tempos, entrou para a história também por uma atitude política, ao se negar a lutar na Guerra do Vietnã

247 – “Nenhum vietcongue me chamou de crioulo, porque eu lutaria contra ele?” – declarou o campeão de boxe explicando por que se recusava a guerrear pelo exército imperialista estadunidense na guerra contra o país do Sudeste Asiático.

Em 1967, quando, juntamente com Martin Luther King, líder do movimento antirracista e pelos direitos civis nos EUA, de quem era amigo, esteve em Louisville para apoiar a luta da população local por moradia, o pugilista declarou: “Por que me pedem para vestir um uniforme e me deslocar 10 mil milhas para lançar bombas e balas no povo marrom do Vietnam, enquanto os negros de Louisville são tratados como cachorros, sendo-lhes negados os mais elementares direitos humanos? Não, não vou viajar 10 mil milhas para ajudar a assassinar e queimar outra nação pobre para que simplesmente continue a dominação dos senhores brancos sobre os povos de cor mais escura mundo afora. É hora de tais males chegarem ao fim”.

“Fui avisado de que essa atitude me custaria milhões de dólares. Mas eu já disse isso uma vez e vou dizer de novo. O inimigo real do meu povo está aqui. Não vou desgraçar minha religião, meu povo ou a mim mesmo tornando-me um instrumento para escravizar aqueles que estão lutando por justiça, liberdade e igualdade” …

Se eu pensasse que a guerra traria liberdade e igualdade a 22 milhões de pessoas do meu povo, eles não precisariam me obrigar, eu me juntaria a eles amanhã mesmo. Não tenho nada a perder por sustentar minhas crenças. Então, vou para a prisão, e daí? Nós estivemos na prisão por 400 anos.”

A atitude custou ao pugilista a cassação do seu título de campeão, que recuperou depois, a suspensão dos ringues por três anos e uma condenação a  cinco anos de prisão, que foi cancelada por uma instância superior.

O pugilista adquiriu consciência política e manteve relações com Malcolm X, com quem estabeleceu contato em 1962.

No começo dos anos 1960, Cassius Clay aderiu ao islamismo, adotando o nome Muhammad Ali.

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